quinta-feira, 29 de outubro de 2009

O pensamento marxista de Antonio Gramsci

"[...] no Ocidente, onde a 'sociedade civil' é extremamente articulada com a proteção do 'Estado político', a luta será longa, será uma enervante 'guerra de posição' [...]. É preciso aprender todos os métodos mais elaborados dos adversários, não deixar-se surpreender despreparados ou atrasados nessa revolução que arde em 'fogo lento', abandonar o primitivismo econômico e mecanicista precedente e desenvolver a capacidade de previsão e de guia dos acontecimentos, chamando os intelectuais para colaborar com tal empreendimento histórico e colmatando continuamente as distâncias que se formam entre as linhas estratégicas dos vértices e a capacidade de compreensão e de recepção da base". (Antonio Gramsci)

O filósofo e revolucionário italiano Antonio Gramsci é na minha opinião, o maior teórico do marxismo-leninismo. Um dos fundadores do PCI - Partido Comunista Italiano, Gramsci não se deixou contaminar pelo esquerdismo(a doença infantil do comunismo), muito menos pelo dogmatismo, e acabou reinterpretando o marxismo-leninismo para a realidade das sociedades capitalistas desenvolvidas(na expressão usada pelo próprio Gramsci, as sociedades de tipo ocidental). E ao fazer isso, Gramsci acabou construindo uma alternativa real ao modelo stalinista.

Gramsci é o teórico da revolução socialista no mundo capitalista ocidental, uma revolução que 'arde em fogo lento', onde a disputa da hegemonia na sociedade é fundamental. Com Gramsci, a esquerda pode lutar por um socialismo renovado, um socialismo sem os desvios praticados pelo stalinismo e pelo esquerdismo, um socialismo que busca resgatar o melhor do pensamento marxista.

Com Gramsci percebemos que nas sociedades capitalistas desenvolvidas, o poder não se encontra localizado apenas nos palácios, mas disperso por toda sociedade. A burguesia não controla o proletariado apenas pela coerção, mas principalmente pelo consenso, suas idéias estão espalhadas nos sindicatos, partidos, igrejas e demais associações, motivo pelo qual antes de pensar em revolução, o proletariado precisa formar os seus intelectuais e disputar a hegemonia na sociedade, construindo um bloco histórico para conquistar o consenso, conquistar a hegemonia na sociedade.

"Distinguindo-se dos social-democratas que se opuseram à revolução bolchevique e à União Soviética (Kautsky, Bernstein e tantos outros), Gramsci - tal como Rosa Luxemburg -- defende a necessidade da revolução e se solidariza, ainda que criticamente, com seus primeiros passos. Mas, ao mesmo tempo, dissocia-se claramente dos rumos que a União Soviética começou a tomar a partir dos anos 30, quando a estatolatria se tornou "fanatismo teórico" e converteu-se em algo "perpétuo", consolidando assim um "governo dos funcionários" que, ao reprimir a sociedade civil e as possibilidades do autogoverno democrático dos cidadãos, gerou um despotismo burocrático que nada tinha a ver com os ideais emancipadores e libertários do socialismo marxista. (...)

...Gramsci nos propõe um outro modelo de socialismo, um modelo no qual o centro da nova ordem deve residir não no fortalecimento do Estado, mas sim na ampliação da "sociedade civil", de um espaço público não estatal. Na "sociedade regulada" - o belo pseudônimo que encontrou para designar o comunismo --, Gramsci supõe (e volto a citá-lo) que "o elemento Estado-coerção pode ser imaginado como capaz de se ir exaurindo à medida que se afirmam elementos cada vez mais numerosos de sociedade regulada (ou Estado-ético, ou sociedade civil)". Ora, como se sabe, as instituições próprias da sociedade civil são o que Gramsci chama de "aparelhos ''privados'' de hegemonia", aos quais se adere consensualmente; e é precisamente essa adesão consensual o que os distingue dos aparelhos estatais, do "governo dos funcionários", que impõem suas decisões coercitivamente, de cima para baixo. Portanto, afirmar "elementos cada vez mais numerosos" de sociedade civil significa ampliar progressivamente o âmbito de atuação do consenso, ou seja, de uma esfera pública intersubjetivamente construída, fazendo assim com que as interações sociais percam cada vez mais seu caráter coercitivo."

(Carlos Nelson Coutinho; em "Atualidade de Gramsci")


Sobre o pensamento de Antonio Gramsci, eu recomendo a leitura de 'Gramsci - Um Estudo Sobre Seu Pensamento Político', escrito pelo cientista político Carlos Nelson Coutinho, e publicado pela editora Civilização Brasileira. Também recomendo a leitura dos "Cadernos do Cárcere", escritos pelo próprio Gramsci. A edição brasileira dos Cadernos tem 6 volumes e foi publicada pela editora Civilização Brasileira, numa primorosa edição organizada por Carlos Nelson Coutinho, tendo como co-editores Luiz Sérgio Henriques e Marco Aurélio Nogueira.


Guerra de posição e guerra manobrada
Antonio Gramsci

Texto do Caderno 7, § 16, intitulado "Guerra de posição e guerra manobrada ou frontal". Este caderno foi escrito entre 1930-1931. Reproduzido de A. Gramsci. Cadernos do cárcere. V. 3: Maquiavel. Notas sobre o Estado e a política. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p. 261-2.

Deve-se examinar se a famosa teoria de Bronstein sobre a permanência do movimento não é o reflexo político da teoria da guerra manobrada (recordar observação do general dos cossacos, Krasnov), em última análise o reflexo das condições gerais — econômicas, culturais, sociais — de um país em que os quadros da vida nacional são embrionários e fracos e não se podem tornar "trincheira ou fortaleza".

Neste caso, seria possível dizer que Bronstein, que aparece como um "ocidentalista", era, ao contrário, um cosmopolita, isto é, superficialmente nacional e superficialmente ocidentalista ou europeu. Em contraposição, Ilitch era profundamente nacional e profundamente europeu. Bronstein recorda, em suas memórias, terem-lhe dito que sua teoria se revelara boa ... quinze anos depois, e responde ao epigrama com outro epigrama [*].

Na realidade, sua teoria, como tal, não era boa nem quinze anos antes nem quinze anos depois: como sucede com os obstinados, dos quais fala Guicciardini, ele adivinhou no atacado, isto é, teve razão na previsão prática mais geral; como se se previsse que uma menina de quatro anos irá se tornar mãe e, quando isto ocorre, vinte anos depois, se diz: "adivinhei", mas sem recordar que, quando a menina tinha quatro anos, se tentara estuprá-la, na certeza de que se tornaria mãe. Parece-me que Ilitch havia compreendido a necessidade de uma mudança da guerra manobrada, aplicada vitoriosamente no Oriente em 1917, para a guerra de posição, que era a única possível no Ocidente, onde, como observa Krasnov, num breve espaço de tempo os exércitos podiam acumular quantidades enormes de munição, onde os quadros sociais eram por si sós ainda capazes de se tornarem trincheiras municiadíssimas. Parece-me este o significado da fórmula da "frente única", que corresponde à concepção de uma só frente da Entente sob o comando único de Foch [**]. Só que Ilitch não teve tempo de aprofundar sua fórmula, mesmo considerando que ele só podia aprofundá-la teoricamente, quando, ao contrário, a tarefa fundamental era nacional, isto é, exigia um reconhecimento do terreno e uma fixação dos elementos de trincheira e de fortaleza representados pelos elementos de sociedade civil, etc. No Oriente, o Estado era tudo, a sociedade civil era primitiva e gelatinosa; no Ocidente, havia entre o Estado e a sociedade civil uma relação apropriada e, ao oscilar o Estado, podia-se imediatamente reconhecer uma robusta estrutura da sociedade civil. O Estado era apenas uma trincheira avançada, por trás da qual se situava uma robusta cadeia de fortalezas e casamatas; em medida diversa de Estado para Estado, é claro, mas exatamente isto exigia um acurado reconhecimento de caráter nacional.

A teoria de Bronstein pode ser comparada à teoria de certos sindicalistas franceses sobre a greve geral e à teoria de Rosa no opúsculo traduzido por Alessandri: o opúsculo de Rosa e a teoria de Rosa, de resto, influenciaram os sindicalistas franceses, como se depreende de determinados artigos de Rosmer sobre a Alemanha na Vie Ouvrière (primeira série em formato menor): procede também, em parte, da teoria da espontaneidade [***].


Notas
[*] Em sua autobiografia, cuja primeira edição italiana é de 1930, Trotski observa: "Com sua imprecisão e negligência peculiares, Lunatscharski definiu do seguinte modo minha concepção revolucionária: 'O camarada Trotski pensava, em 1905, que as duas revoluções, a burguesa e a socialista, não fossem, é verdade, uma só coisa, mas estariam tão estreitamente conexas que formariam uma revolução permanente. Ingressando com uma revolução burguesa num período revolucionário, a parte da humanidade constituída pelos russos e todo o resto do mundo não poderão mais sair deste período, até o término da revolução social. É inegável que, ao formular aquelas idéias, Trotski demonstrou muita sagacidade, ainda que se tenha enganado de 15 anos'. A observação sobre o erro de 15 anos não ganhou em profundidade pelo fato de ter sido repetida por Radek. Em 1905, nossas previsões contavam com a vitória da revolução, não com a derrota. Então, não alcançamos nem a república, nem a reforma agrária, nem a jornada de oito horas. Será que nos enganávamos ao apresentar estas reivindicações? A derrota da revolução alterou todas as nossas perspectivas, e não somente aquelas que eu havia indicado. Não se tratava, então, de fixar um prazo para a revolução, mas de analisar suas forças intrínsecas, prever o desenvolvimento dela em seu conjunto" (L. Trotski. Minha vida. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969, p. 161).

[**] "Frente única" é a linha política de unidade operária, adotada pela III Internacional entre o III (1921) e o VI Congresso (1928). Na Itália, num texto apresentado à direção do PCI em agosto de 1926, Gramsci entende de modo particular esta tática: "Em todos os países capitalistas apresenta-se um problema fundamental, o de passar da tática da frente única entendida em sentido geral para uma tática determinada, que formule os problemas concretos da vida nacional e opere com base nas forças populares assim como são historicamente determinadas" (A. Gramsci. La costruzione del Partito comunista 1923-1926. Turim: Einaudi, 1971, p. 123).

[***] [...] Gramsci menciona La Vie Ouvrière, revista dos sindicalistas revolucionários franceses. Não consta, porém, que Alfred Rosmer (pseudônimo de André Alfred Griot, 1877-1964) tenha escritos artigos sobre a Alemanha nesta ou em outras publicações. Registra-se, na realidade, um artigo de Charles Andler, "Le socialisme impériale dans l'Allemagne contemporaine", de grande repercussão, com o qual polemiza inclusive Jean Jaurès. La Vie Ouvrière circula entre 1909 e 1914 e entre 1919 e 1922. Nesta segunda fase, Rosmer empenha-se pela adesão do grupo à III Internacional.

OBS: Bronstein é Leon Trotski, cujo nome verdadeiro era Lev Davidovich Bronstein.
Ilitch é Lenin, cujo nome verdadeiro era Vladimir Ilitch Ulyanov


O futebol e o baralho

Antonio Gramsci
Tradução: Carlos Nelson Coutinho

Os italianos não gostam muito do esporte. Os italianos preferem, ao esporte, o jogo de baralho. Ao ar aberto, preferem o espaço fechado de um botequim; ao movimento, a imobilidade em torno da mesa.

Observem uma partida de futebol: é um modelo da sociedade individualista. Nela se toma a iniciativa, mas essa é definida pela lei. As personalidades distinguem-se hierarquicamente, mas as distinções não ocorrem segundo o status, mas segundo as específicas capacidades de cada um. Há movimento, competição, luta, mas esses são regulados por uma lei não escrita que se chama "lealdade", continuamente recordada pela presença do árbitro. Paisagem aberta, livre circulação de ar, pulmões sadios, músculos fortes, sempre voltados para a ação.

Um jogo de baralho. Espaço fechado, fumaça, luz artificial. Gritos, punhos na mesa e, com freqüência, na cara do adversário ou... do parceiro. Perverso trabalho do cérebro (!). Desconfiança recíproca. Diplomacia secreta. Cartas marcadas. Estratégia de chutes por baixo da mesa. Uma lei? Onde está a lei que se deve respeitar? Ela varia de lugar a lugar, tem diversas tradições, é ocasião permanente de contestações e litígios.

O jogo de baralho termina freqüentemente com um cadáver e algumas cabeças quebradas. Jamais se ouviu dizer que uma partida de futebol tivesse terminado assim.

Até mesmo nestas atividades marginais dos homens se reflete a estrutura econômico-política dos Estados. O esporte é atividade difundida nas sociedades onde o individualismo econômico do regime capitalista transformou os costumes e, ao lado da liberdade econômica e política, suscitou também a liberdade espiritual e a tolerância em face da oposição.

O jogo de baralho é o tipo de esporte próprio das sociedades atrasadas econômica, política e espiritualmente, onde a forma de convivência civil é caracterizada pelo informante da polícia, pelo policial à paisana, pela carta anônima, pelo culto da incompetência, pelo carreirismo (com os respectivos favores e benesses do deputado).

O esporte gera, mesmo em política, o conceito de "jogo leal". O baralho produz os senhores que põem pela porta afora o operário que, na discussão livre, ousou contradizer suas opiniões.

Texto não assinado, publicado em Avanti!, 26 ago. 1918, na coluna "Sotto la Mole". Agora em 'Antonio Gramsci. Escritos políticos'. Organização, introdução e tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, v. 1, p. 209.

Um comentário:

  1. Gramsci já era. Revolução como criação de uma nova consciência. Nada muda se você não mudar. Só haverá socialismo se as massas o quizerem. A revolução se completa pela tomada do poder político, seu último ato. Antes, ela terá que transformar radicalmente os espíritos. Como Buda. Como Jesus, Como Paulo Apóstolo. Como Lênin. A revolução como contracultura. Toda grande transformação foi precedida por uma vasta contracultura. Contracultura é morrer para este mundo e renascer em cristo, em Lenin, em Lennon. Abaixo o paganismo contemporâneo, o culto de Mamon. Ao dos marxistas dogmáticos, esses neo-platônicos de hoje: eles conheceram a revolução, mas não a glorificaram, não a exaltaram. A revolução não vai criar um novo homem - o novo homem vai criar a revolução. Chega desses revolucionários de cátedra! A revolução tem que andar descalça, nas ruas de terra, nos becos dos morros, nos portões das fábricas. E sem essa de discriminar. Todos serão chamados. Vamos juntos.

    ResponderExcluir