quinta-feira, 29 de outubro de 2009

A ESQUERDA SOCIALISTA PRECISA SER ANTI-BOLCHEVIQUE

O Muro de Berlim caiu em 9 de novembro de 1989, e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas(URSS) foi dissolvida em 26 de dezembro de 1991. Portanto faz quase 20 anos que a primeira experiência mundial de construção do socialismo chegou ao fim, mas até hoje os comunistas não enxergam a culpa de Lenin e dos bolcheviques na origem do stalinismo.

Lenin reinterpretou o conceito marxista da ditadura do proletariado como ditadura do partido comunista, motivo pelo qual após a vitória da Revolução de Outubro, formou um governo quase que exclusivamente composto por bolcheviques, com excessão de uma pequena minoria de socialistas revolucionários de esquerda. E mais, começou a perseguir os anarquistas, os mencheviques e os socialistas revolucionários, transformando os sovietes em correias de transmissão do Partido Bolchevique. Esse processo se consolidou com a dissolução da Assembléia Constituinte, em janeiro de 1918, e com a oposição dos socialistas revolucionários de esquerda ao Tratado de Paz de Brest-Litovsk, em março de 1918, quando abandonaram o governo.

Em junho de 1918, quando os socialistas revolucionários de esquerda promoveram uma rebelião fracassada, que não era contra o poder soviético, mas sim contra a paz com a Alemanha, os bolcheviques proibiram todos os partidos políticos, com excessão do seu partido, rebatizado como Partido Comunista da Rússia.

Mesmo com os anarquistas não se posicionando contra a revolução(muito pelo contrário, pois o Exército Makhnovista foi decisivo para a derrota dos contra-revolucionários do Exército Branco comandados pelo general Denikin, no sul da Rússia e da Ucrânia), os comunistas os esmagaram brutalmente, eliminando a guerrilha camponesa liderada por Nestor Makhno. Mesmo com os mencheviques internacionalistas tendo se oposto a Primeira Guerra Mundial e ao governo provisório, e apoiado o Exército Vermelho na luta contra o Exército Branco, os comunistas mantiveram a proibição deles funcionarem legalmente e obrigaram Yuri Martov e a maioria deles a se exilar.

E o que dizer da repressão brutal contra os levantes camponeses, que se davam devido aos abusos da absurda política do comunismo de guerra??? E pior, a repressão brutal contra as greves e manifestações operárias contra a fome resultante dessa absurda política??? E a repressão brutal contra o legitimo levante socialista do soviet de Kronstadt, em março de 1921, quando a guerra civil já estava ganha e não se justificava mais a manutenção do comunismo de guerra, muito menos do regime autoritário de partido único???? Alias, mesmo com a guerra civil não era justificavel o regime autoritario de partido único, motivo pelo qual Rosa Luxemburgo criticou os bolcheviques em "A Revolução Russa", assim como não era justificavel a absurda política de requisições forçadas imposta ao campesinato pelo chamado "comunismo de guerra".

Todos esses fatos comprovam que muito antes de Stalin chegar ao poder, o socialismo soviético já era ditadorial, e não no sentido proletário, mas burocratico e portanto sem o menor vinculo com o verdadeiro marxismo.

O terror vermelho, por exemplo, matando milhares de pessoas de origem burguesa apenas por serem acusadas de promover atividades contra-revolucionárias, é de uma monstruosidade sem tamanho. O mesmo se pode dizer dos massacres promovidos pelo Exército Vermelho contra prisioneiros do Exército Branco e contra a população camponesa que os apoiava. As sementes do stalinismo se encontram em todos esses fatos, em especial no terror vermelho.

O caráter anti-democrático do bolchevismo pode ser constatado nas palavras de Leon Trotsky, um dos principais revolucionários bolcheviques e que desde 1920 já defendia a militarização do trabalho e a estatização dos sindicatos.

“A verdade é que, em regime socialista, não haverá aparelho de coerção, não haverá Estado. O Estado se dissolverá na comuna de produção e de consumo. Entretanto, o caminho do socialismo passa pela tensão mais alta da estatização. E é exatamente este período que atravessamos. Assim como um lampião, antes de se apagar, brilha com uma flama mais viva, o Estado, antes de desaparecer, reveste a forma da ditadura do proletariado, a forma mais impiedosa de governo que existe, um governo que envolve, de maneira autoritária, a vida de todos os cidadãos. É essa bagatela, esse pequeno grau na história que [...] o menchevismo não viu, e foi isto o que lhe fez tropeçar”

(Leon Trotsky; "Terrorismo e Comunismo")


Ao afirmar que a ditadura do proletariado é a forma mais impiedosa de governo que existe, Trotsky está legitimando os crimes hediondos do "terror vermelho" e pior, dando sinal verde para o terror ainda mais criminoso e aberrante da era stalinista, até porque para voltar à imagem, e se o lampião em vez de se apagar não só continuasse aceso mas pusesse fogo no mundo? Foi o que aconteceu com o stalinismo.

Ao contrário de Lenin, Trotsky e dos bolcheviques, Rosa Luxemburgo deixou claro em "A Revolução Russa", que ditadura do proletariado não é a ausência de democracia, muito menos que seja obra de uma minoria agindo em nome da classe trabalhadora.

"A democracia socialista começa com a destruição da dominação de classe e a construção do socialismo. (...) Ela nada mais é que a ditadura do proletariado. Perfeitamente: ditadura! Mas esta ditadura consiste na maneira de aplicar a democracia, não na sua supressão. (...) esta ditadura precisa ser obra da classe e não de uma pequena minoria que dirige em nome da classe".

(Rosa Luxemburgo; em "A Revolução Russa")


Rosa Luxemburgo já criticava Lenin e seu modelo autoritario de socialismo desde 1904, quando escreveu "Questões de organização da social democracia russa", onde condenou a proposta leninista do partido como uma vanguarda centralizada e disciplinada de revolucionários profissionais. Rosa Luxemburgo não se deixou levar por uma visão acritica, beata e de sacristia sobre o processo revolucionário desencadeado pelos bolcheviques, muito pelo contrário, pois apesar de se solidarizar com a luta que eles travavam pelo socialismo na Rússia, manteve sua critica ao que achava errado no bolchevismo, e no clássico "A Revolução Russa", escrito em 1918, Rosa Luxemburgo criticou os desvios autoritários promovidos pelos bolcheviques, alertando para as suas consequências.

"A liberdade apenas para os partidários do governo, só para os membros de um partido - por numerosos que sejam - não é a liberdade. A liberdade é sempre, pelo menos, a liberdade do que pensa de outra forma (...). Sem eleições gerais, sem uma liberdade de imprensa e de reunião ilimitada, sem uma luta de opinião livre, a vida acaba em todas as instituições públicas, vegeta e a burocracia se torna o único elemento ativo. [...] Se estabelece assim uma ditadura, mas não a ditadura do proletariado: a ditadura de um punhado de chefes políticos, isto é uma ditadura no sentido burguês".

(Rosa Luxemburgo; em "A Revolução Russa")


Segundo o cientista social Michael Löwy, um dos mais importantes teóricos do marxismo na atualidade: "Constatando a impossibilidade, nas circunstâncias dramáticas da guerra civil e da intervenção estrangeira, de criar "como que por magia, a mais bela das democracias", Rosa não deixa de chamar a atenção para o perigo de um certo deslizamento autoritário e reafirma alguns princípios fundamentais da democracia revolucionária. É difícil não reconhecer o alcance profético desta advertência. Alguns anos mais tarde a burocracia apropriou-se da totalidade do poder, excluiu progressivamente os revolucionários de Outubro de 1917 - antes de, no correr dos anos 30, eliminá-los sem piedade." ( Michael Löwy; em "Rosa Luxemburgo: um comunismo para o século XXI")

Os comunistas e até mesmo os socialistas, insistem em se fazer de cegos para não enxergar os crimes promovidos pelos bolcheviques, crimes que também precisam ser condenados. Em "Somos todos pós-modernos?", Frei Betto pergunta "quem diria que a revolução russa terminaria em gulags?"

Oras, quem conhece a história da Revolução Russa, sabe muito bem que os gulags surgiram por iniciativa de Lenin, ao autorizar a criação dos primeiros campos de concentação na Europa já em 1918, para aqueles que não compartilhavam suas idéias.

"Os sovietes funcionaram com alguma liberdade só até junho de 1918. Os jornais socialistas de oposição não duram muito mais do que isso. Os campos de trabalho forçado existem desde 1918-1919. Em 1918, e depois em 1920-1921, há greves importantes, reprimidas violentamente pelo regime."

(Ruy Fausto; "Em Torno da Pré-História Intelectual do Totalitarismo Igualitarista)


O historiador russo Dmitri Volkogonov afirma que a idéia do sistema de campos de concentração (os Gulags), e os terríves expurgos dos anos 30, são normalmente associados ao nome de Stalin, mas o verdadeiro "pai" dos campos de concentração bolcheviques, as execuções, e o terror em massa, era Lenin. Nos antecedentes do terror implantado por Lenin, se torna fácil entender os métodos inquisitoriais de Stalin, o qual era capaz de executar alguém apenas baseado em suposições. Está corretíssimo o filósofo marxista italiano Pietro Ingrao, quando declarou: "Já Lenin afirmava a construção violenta do Estado e do poder político, e não se tratava só de uma resposta revolucionária ao sangue do capitalismo. Era uma idéia errada, erradíssima, de abuso e de esmagamento, que também atingiria, cedo ou tarde, uma parte do movimento operário."(Pietro Ingrao; Em depoimento dado a Antonio Galdo, intitulado "Il compagno disarmato" [Milão, 2004])

Citando o filósofo marxista Ruy Fausto: "Não que eu suponha uma simples continuidade entre bolchevismo e stalinismo. Mas afirmo sim que o totalitarismo stalinista é impensável sem o bolchevismo, e que há linhas reais de continuidade entre os dois". (EM TORNO DA PRÉ-HISTÓRIA INTELECTUAL DO TOTALITARISMO IGUALITARISTA)

O regime bolchevique foi pré-totalitario pois preparou o verdadeiro totalitarismo dos grandes campos de trabalho forçado e do genocidio da era stalinista. Portanto não basta ser anti-stalinista, a esquerda precisa ter a coragem de reconhecer seus erros, reconhecer e condenar os seus crimes, e assim refundar o socialismo para que essas coisas lamentaveis não voltem a acontecer, e o principal, para poder retomar a ofensiva na luta contra a exploração capitalista.

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