quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Greve de 1979: Uma luta viva na memória...trinta anos depois

Greve de 1979: Uma luta viva na memória...trinta anos depois
José Claudio de Paula

Há exatos trinta anos, por esta época (final de outubro... início de novembro) a cidade de São Paulo se preparava para uma das mais importantes greves de sua história. O movimento ficou conhecido por causa do assassinato do operário Santo Dias da Silva, uma das lideranças dos metalúrgicos da Capital, ocorrido no decorrer da greve, na porta de uma fábrica na zona sul da cidade.

Desde o início de outubro, os metalúrgicos haviam intensificado a mobilização da campanha salarial daquele ano. Em maio do mesmo ano várias fábricas da categoria haviam paralisado as atividades com a reivindicação de 30% de aumento e pela instituição de reajustes semestrais.A reivindicação, agora, era de 83% de aumento nos salários. As palavras de ordem repetidas nas assembléias da categoria eram "um... dois... três... queremos oitenta e três" e "oitenta e três por cento ou greve". E a categoria se preparava para uma greve geral histórica.

Além da dificuldade natural em relação aos empresários e ao governo militar, os trabalhadores metalúrgicos de São Paulo tinham problemas na própria entidade que devia representá-los. A diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo era alinhada com os interesses dos patrões e do governo.

Pouco mais de um ano antes o presidente da entidade Joaquim dos Santos Andrade havia sido empossado pessoalmente pelo então ministro do trabalho Arnaldo Prieto, mesmo diante de denúncias comprovadas de fraude nas eleições sindicais.Ele era realmente o homem de confiança dos militares. Em 1964, após o golpe militar, havia sido nomeado interventor no sindicato dos metalúrgicos de São Paulo. Seria mantido no cargo pelo poder das fraudes eleitorais e, no caso de 1978, por interferência direta do governo militar e do ministro do trabalho.

Para realizar a greve de 1979, os metalúrgicos construíram uma rede organizativa que tinha como ponto de partida os locais de trabalho e os bairros operários de todas as regiões da cidade. Essa organização setorizada garantiu a mobilização que resultou na greve. A direção do movimento era formada por comandos regionais. A diretoria do sindicato não pôde impedir a greve.

Uma assembléia realizada na manhã de domingo (27 de outubro) no Cine Piratininga, no bairro do Brás, decretou a paralisação por tempo indeterminado. Os dirigentes do movimento marcaram para o final da tarde do mesmo domingo reuniões em todas as regiões da cidade para organizar os piquetes da madrugada seguinte.

Como não haviam subsedes do sindicato, essas reuniões aconteceriam em espaços que não eram de propriedade da entidade. Alguns desses salões foram cedidos por apoiadores do movimento, como os espaços da Igreja Católica no Tatuapé, Penha (Zona Leste) e Capela do Socorro (Zona Sul).Outros locais foram alugados pelo próprio sindicato à partir de deliberação da assembléia que havia decretado a paralisação, como o salão Arco Íris, na Avenida Interlagos, nas proximidades do cruzamento com a Avenida Nossa Senhora do Sabará (Zona Sul).

As sedes dos comandos regionais de greve foram invadidas pela Polícia Militar. As principais lideranças do movimentop foram presas. Mesmo assim a greve começou. Os líderes presos foram substituídos por novas lideranças. Muitos militantes tiveram, naquela ocasião, seu batismo de fogo. Com pouco mais de dezenove anos, me tornei um dos dirigentes do movimento. Ao meu lado, muitos outros jovens da mesma idade tiveram experiência semelhante.

Na tarde da quarta-feira, terceiro dia da greve, um confronto entre policiais e trabalhadores resultou na morte do operário Santo Dias da Silva. Ele tentava dialogar com a PM sobre a soltura de militantes que acabavam de ser presos na porta da Sylvânia, empresa do ramo eletrônico localizada no bairro de Campo Grande. A disposição de diálogo demonstrada por ele foi enfrentada a bala por um policial.

No dia seguinte ao do assassinado do operário Santo Dias da Silva uma passeata percorreu as principais ruas da região central da cidade de São Paulo, saindo da Igreja da Consolação e indo até a Catedral da Sé. No trajeto, a manifestação era saudada pela população que jogava papel picado do alto dos prédios. À frente ia o caixão que carregava o líder operário assassinado.

A palavra de ordem mais repetida pelos manifestantes ("A polícia dos patrões matou um operário") ecoava pelas ruas do centro da maior cidade do país. Da manifestação participavam, além dos trabalhadores em greve, milhares de apoiadores de várias origens. Na Catedral da Sé, uma missa de corpo presente encerrou a manifestação.

A passeata assumiu, além do sentido óbvio de luto e de protesto, o objetivo de questionar e enfrentar a ditadura militar. Talvez tenha sido uma das manifestações mais marcantes contra o ditadura militar, entre tantas outras que ocorreram país afora e que resultaram, anos depois, no encerramento do ciclo de governos militares.

A greve dos metalúrgicos de São Paulo em 1979 se inclui entre os momentos importantes e decisivos de nossa história recente. Juntamente com outras paralisações de trabalhadores e as manifestações pela anistia e contra o custo de vida, a greve de 1979 pode ser incluída entre os acontecimentos que determinaram o fim da ditadura militar. Tenho a honra e o orgulho de ter participado dessa luta.


José Claudio de Paula é jornalista.

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