quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Acabaram-se os tempos das revoluções realizadas por minorias, agora as revoluções são das maiorias, portanto são processuais e democráticas

Quando fundaram o socialismo científico, os filósofos e revolucionários alemães Karl Marx e Friedrich Engels afirmaram que a história é movida pela luta de classes, e na atual sociedade capitalista, a luta do proletariado contra a burguesia levará a revolução socialista e a destruição do capitalismo. E segundo Marx e Engels, essa revolução será violenta.

Entretanto a história não é estatica, por isso a realidade apontada por Marx e Engels no Manifesto Comunista, publicado em fevereiro de 1848, já não era mais a mesma realidade existente nos anos 60 do século XIX. No Livro 1 de O Capital, publicado em 1867, Marx teorizou a respeito da progressiva passagem da exploração do trabalho através da mais-valia absoluta (da redução do salário e do aumento da jornada de trabalho) para a exploração através da mais-valia relativa (do aumento da produtividade), que alterou as condições em que se trava a luta de classes. Como resultado dessa alteração, o filósofo e revolucionário alemão Karl Marx, afirmou que era possível uma revolução socialista não violenta, com os comunistas chegando ao poder pelo voto.

Em seu discurso no Congresso de Haia, realizado em 1872, Marx afirmou que nos EUA, na Grã Bretanha, e talvez na Holanda, os trabalhadores poderiam atingir suas metas por meios pacíficos. A possibilidade da transição pacífica, segundo Marx, dependeria das diferentes correlações de força existentes no interior de cada país, do grau de consolidação das instituições e também da resistência oferecida pelas classes dominantes às transformações sociais. Marx sublinhou igualmente, que será a classe operária de cada país que deverá escolher os meios a serem utilizados.

Em 1895, Engels escreveu a Introdução para uma nova edição de Luta de Classes na França, de Marx.

"Neste texto, por muitos considerado seu testamento político, Engels parte do reconhecimento de que, em 1848, quando rompeu o movimento revolucionário de fevereiro em Paris, ele e Marx estavam verdadeiramente "fascinados" com a experiência histórica das revoluções francesas anteriores, a de 1789 e 1830, que lhes haviam fornecido uma espécie de “modelo” com o qual representar a “marcha e o caráter da revolução do proletariado”. A história posterior, porém, “não só destruiu o erro em que nos encontrávamos, como também modificou de cima a baixo as condições de luta do proletariado”. Cinqüenta anos depois, ele constataria: “O método de luta de 1848 está hoje antiquado em todos os aspectos”. A história deixara patente que “o estado do desenvolvimento econômico não estava maduro para poder eliminar a produção capitalista”, que demonstrava “grande capacidade de extensão”. E o capitalismo, quanto mais se expandia, mais punha de manifesto as relações de classe que o sustentavam, “criando e fazendo passar ao primeiro plano uma verdadeira burguesia e um verdadeiro proletariado” e, desta forma, injetando inédita intensidade à luta entre as duas classes. Ao final do século, na visão de Engels, havia se organizado “um grande, único e poderoso exército do proletariado, o exército internacional dos socialistas” que, “longe de poder conquistar a vitória em um grande ataque decisivo, teria que avançar lentamente, de posição em posição, em uma luta tenaz e dura”. A época, agora, não era mais das “minorias revolucionárias”, mas das massas; não mais das “barricadas e das lutas de rua", mas das batalhas eleitorais. Engels enfatizaria que os operários alemães, “graças à inteligência com que souberam utilizar o sufrágio universal”, haviam conseguido viabilizar o “crescimento assombroso de seu partido”, que em 1871 obtivera 102.000 votos, passara a 550.000 votos em 1884 e alcançaria quase 2 milhões de votos nas eleições da primeira metade dos anos 90.

O sufrágio universal convertia-se, assim, em uma “arma nova e mais afiada”, posto que permitia aos operários “entrar em contato com as amplas massas do povo” e pôr em ação “um método de luta totalmente novo”, passando a perceber que “as instituições estatais nas quais se organizava a dominação da burguesia ofereciam, à classe operária, novas possibilidades de lutar contra essas mesmas instituições”. Em decorrência, concluiria Engels, os governos burgueses começariam a “temer muito mais a atuação legal do que a atuação ilegal do partido operário, mais os êxitos eleitorais do que os êxitos insurrecionais”. Não deixava de ser uma ironia: “nós, os ‘revolucionários’, os ‘elementos subversivos’, prosperamos muito mais com os meios legais do que com a subversão”, ao ponto dos partidos da ordem “exclamarem desesperados, juntamente com Odilon Barrot, que la légalité nous tue, a legalidade nos mata, ao passo que, da nossa parte, acabamos por adquirir, com esta legalidade, músculos vigorosos e faces coloridas, como se tivéssemos sido alcançados pelo sopro da eterna juventude”.

Engels, enfim, nesse texto verdadeiramente paradigmático, procurava atualizar a estratégia do movimento operário às novas determinações da realidade histórica e às mudanças que se processavam no próprio plano das lutas:

“Se se modificaram as condições da guerra entre as nações, do mesmo modo teriam que se modificar as condições da luta de classes. Acabou a época dos ataques de surpresa, das revoluções feitas por pequenas minorias conscientes que se punham à frente das massas inconscientes. Onde quer que se trate de realizar uma transformação completa da organização social, as massas têm de intervir diretamente, têm de já ter compreendido por si mesmas do que se trata e porque estão dando o sangue e a vida. E para que as massas compreendam o que deve ser feito, é preciso um trabalho longo e perseverante”.

Reiterava-se, assim, uma das grandes teses do marxismo clássico: as formas de luta (pacíficas ou violentas, legais ou ilegais) deveriam ser sempre uma resposta às situações históricas concretas, sendo por elas determinadas.

Tal transição verdadeiramente epocal alterava a qualidade mesma do Estado, que se transformava numa instituição efetivamente complexa, dilatada, invasiva. Fazia-se necessária, portanto, uma nova conceitualização, capaz de possibilitar a apreensão dos novos nexos que se estabeleciam no ampliado plano da atividade estatal. Com o Estado reforçado conectando-se com múltiplas associações particulares e incorporando-as a si, todo o espaço estatal ganhava nova qualidade e o fato mesmo da dominação política era redefinido: a coerção, o “monopólio legítimo da violência”, ação típica da “sociedade política”, tinha de ser cada vez mais sintonizada com a busca de consensos." (Marco Aurélio Nogueira; em "GRAMSCI E OS DESAFIOS DE UMA POLÍTICA DEMOCRÁTICA DE ESQUERDA")


O revolucionário marxista italiano Antonio Gramsci, a partir dessa concepção de Engels, desenvolveu a teoria da revolução socialista no mundo capitalista desenvolvido, ou seja, no ocidente, como uma revolução que "arde em fogo lento", onde a luta pela hegemonia é essencial para a vitória do proletariado. Assim, a luta de classes deixa de ser uma "guerra de movimento", como era descrita no Manifesto Comunista, e como se realizou na Rússia semi-feudal dos czares, e se torna uma "guerra de posição", pois o poder não está concentrado apenas nos palácios, e sim disperso na sociedade.

"[...] no Ocidente, onde a 'sociedade civil' é extremamente articulada com a proteção do 'Estado político', a luta será longa, será uma enervante 'guerra de posição' [...]. É preciso aprender todos os métodos mais elaborados dos adversários, não deixar-se surpreender despreparados ou atrasados nessa revolução que arde em 'fogo lento', abandonar o primitivismo econômico e mecanicista precedente e desenvolver a capacidade de previsão e de guia dos acontecimentos, chamando os intelectuais para colaborar com tal empreendimento histórico e colmatando continuamente as distâncias que se formam entre as linhas estratégicas dos vértices e a capacidade de compreensão e de recepção da base." (Antonio Gramsci)

Oras, se Engels reconhece que os tempos das revoluções realizadas por pequenas minorias chegou ao fim, chegando inclusive a afirmar que os revolucionários ganham mais atuando na legalidade e não fora dela, e se antes dele, Marx já reconhecia que os comunistas podiam chegar ao poder pelo voto, fica comprovado que a Revolução Russa de 1917 foi um fato histórico isolado, que só foi possível pelo fato daquele país ainda estar vivendo em uma realidade semi-feudal do começo do século XIX. Por isso Gramsci desenvolve a teoria da revolução no ocidente, afirmando a importância da luta pela hegemonia. Antes de ser dominante, a classe trabalhadora precisa ser dirigente.

E o mundo mudou ainda mais desde essa época, com o desenvolvimento do Estado democrático e de direito, com os trabalhadores conquistando cidadania plena, assim como as mulheres, os negros, etc. Isso tudo demonstra que é absurdo continuar afirmando que a revolução socialista deve se basear na violência, que deve ser uma ruptura como foi a Revolução Russa.

O bolchevismo deve ser abandonado não somente por sua cultura autoritaria, responsável pelo surgimento da bestialidade stalinista, mas também por ser completamente obsoleto, não cabendo mais com a realidade da luta de classes no século XXI.

Através de Marx, Engels, e Gramsci, surgiu na Itália o chamado "eurocomunismo", que afirma ser a democracia, um valor universal. Enrico Berlinguer, secretário geral do Partido Comunista Italiano entre 1972 e 1984, foi quem fundou essa vertente democrática do comunismo.

"Herdeiro das melhores tradições do comunismo italiano de Antonio Gramsci e Palmiro Togliatti, Enrico Berlinguer (1922-1984) engajou-se, do início dos anos setenta até a sua morte em 1984, na defesa de um projeto de socialismo entendido como o ápice das conquistas democráticas nas esferas socio-econômica e político-ideológica, um projeto capaz de recuperar a liberdade perdida no decorrer das experiências revolucionárias socialistas do século XX. Um momento marcante da luta do então secretário-geral do Partido Comunista Italiano (PCI) deu-se no ano de 1977, em Moscou, durante as comemorações dos sessenta anos da Revolução Russa, quando, diante de centenas de dirigentes comunistas da URSS e de todas as partes do mundo, Berlinguer fala da necessidade de se pensar a "democracia como um valor universal". (Marco Mondaini)

O "eurocomunismo" fez do PCI - Partido Comunista Italiano, o maior partido comunista do Ocidente, mobilizando o terror da extrema-direita fascista e da extrema-esquerda contra a possibilidade real dos comunistas chegarem ao poder pela via democrática, através do voto. Por isso o assassinato de Aldo Moro, um político centrista que estava buscando junto com os comunistas, construir uma aliança que unindo os democratas cristãos e o PCI, levasse a Itália ao progresso social e a plena democracia, abrindo caminho para a construção processual do socialismo.

Os eurocomunistas nunca chegaram ao poder, mas iniciaram uma nova cultura política na esquerda, não somente na Europa. Aqui na América Latina, o "eurocomunismo" foi uma das principais influências do PT - Partido dos Trabalhadores.

Aqui no Brasil, o filósofo Leandro Konder e o cientista político Carlos Nelson Coutinho, são os principais nomes do "eurocomunismo". Fundadores do PSOL - Partido Socialismo e Liberdade, são os principais responsáveis pela divulgação da obra de Gramsci aqui no Brasil.

O cientista político Carlos Nelson Coutinho, professor da UFRJ, escreveu em 1979, o clássico "A Democracia Como Valor Universal".

"Em 1979 publiquei um artigo, A democracia como valor universal. Até hoje me fascina que aquele ensaio, primeiro, tenha provocado reações tão fortes. Mas, segundo, e mais preocupante, que tenha sido lido por muita gente de maneira tão equivocada. Em nenhum momento proponho lá substituir o socialismo pela democracia. Coloco a democracia como caminho para o socialismo. Nunca separei a democracia de socialismo e nem reduzi a democracia ao liberalismo. A democracia que nós, socialistas, queremos construir tem instituições que não fazem parte nem do arcabouço teórico nem da realidade dos regimes puramente liberais.

Hoje, se reescrevesse aquele ensaio, teria posto como título "A democratização como valor universal". O que é valor universal não são as formas concretas que a democracia assume institucionalmente em dado momento, mas o processo pelo qual a política se socializa e, progressivamente propõe novas formas de socialização do poder. Entendo democratização, no limite, como algo que implica a plena socialização do poder – o que, aliás, é um momento fundamental da concepção marxiana do socialismo. Não apenas socialização da propriedade, mas do poder. Exatamente aquilo que o "chamado socialismo real" não fez. E por isso, aliás, ele fracassou.

Vejo, na contra-reforma neoliberal de hoje, fortes tendências no sentido de reduzir a amplitude da democracia e a participação crescente no poder. Há toda uma corrente de pensamento político, numa linha que se inicia com Schumpeter, que reduz a democracia a um método de escolha: por meio de eleições periódicas você escolhe entre diferentes elites, mas quem faz política é a elite. Isso nada tem a ver com democracia. Democracia é algo substantivo, não só no terreno econômico-social, mas no sentido político, pois temos de construir mecanismos que permitam a participação crescente das massas organizadas na gestão do poder. Isso foi tornado possível pelo que eu chamo, com os marxistas italianos, de socialização da política. A socialização do poder tem como pressuposto a socialização da participação política. O fato de conseguirmos o sufrágio universal, de você se organizar em sindicatos, partidos, associações, nesse conjunto que forma a sociedade civil, é o que permite imaginar que, no lugar de um poder de cima para baixo, cada vez mais se coloquem, como efetivos instrumentos de poder, esses organismos constituídos no âmbito da sociedade civil, de baixo para cima.

Nesse sentido, a democracia no Brasil continua a ser, para nós, socialistas, um desafio e uma tarefa: embora seja evidente que elementos de democracia foram conquistados, há ainda muito por realizar. E, no horizonte, devemos ter claro que só há plena democracia no socialismo, porque a divisão da sociedade em classes cria déficits de cidadania, de participação política.(...) Uma das tarefas fundamentais do socialismo do século XXI é recolocar essa clara dimensão democrática. Não há socialismo sem democracia, sem dúvida, mas tampouco há democracia sem socialismo.
Gramsci nos fornece instrumentos decisivos para que repensemos esse momento democrático, o momento de consenso, da hegemonia, como fundamental na construção do socialismo. Nossa tarefa é: onde está a coerção devemos colocar cada vez mais o consenso, participação livre e autônoma das pessoas. Onde está mercado, que é uma forma de coerção, colocar o planejamento econômico democrático, fundado no consenso. E onde está o Estado, entendido como poder coercitivo e autoritário, colocar a participação consensual, o autogoverno. Habermas não está errado quando propõe um espaço de comunicação livre de coerção. Está errado ao achar que isso pode ser feito no capitalismo. Comunicação livre só pode existir no comunismo, numa sociedade sem classes."

(Carlos Nelson Coutinho; em Teoria e Debate nº 51)


O socialismo no século XXI é radicalmente democrático e ecológico, fundamentando-se na democracia como valor universal e na defesa do desenvolvimento autossustentável.

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