sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Qual socialismo?

Qual socialismo?
Leandro Konder

A experiência histórica do movimento socialista, em suas formas cada vez mais variadas, ensina que o socialismo só avança quando consegue se renovar. E, atualmente, ela já ensina, também, que a reflexão socialista precisa de interlocutores “externos”, quer dizer, precisa ─ para renovar-se ─ do diálogo com linhas de pensamento não comprometidas com os projetos socialistas.

Renovar-se não é uma operação simples, automática; é um processo que passa por autocríticas intranqüilizadoras, freqüentemente dolorosas. Em sociedades politicamente complexas, os sujeitos empenhados em transformar as relações sociais precisam se criticar mutuamente, se reeducar, uns aos outros. A eficácia da autocrítica depende da liberdade de crítica assegurada aos outros. A verdadeira renovação passa a depender, cada vez mais, do pluralismo.

Por isso, a vanguarda do pensamento marxista está muito empenhada, hoje, numa revalorização do pluralismo. E os marxistas de vanguarda, na Itália, já se deram conta da extrema importância de um interlocutor como Noberto Bobbio.

Bobbio, pensador político, professor de filosofia do direito, é um homem de imensa cultura e estupenda honestidade intelectual. É um liberal que estudou Marx, conhece os meandros do pensamento marxista e não se sente nem um pouco constrangido em acolher tudo o que nele lhe parece bom. É exatamente essa abertura em face de Marx que lhe permite, por outro lado, questionar de maneira bastante despreconceituosa e fecunda uma série de aspectos da perspectiva filosófica e política do pensador alemão.

A história do século XX mostra que a conquista do poder, nas revoluções, não resolve o problema de como exercê-lo. Nenhuma revolução, até agora, enfrentou seriamente a questão das garantias contra os abusos do poder. A teoria da ditadura do proletariado deu no que deu. Bobbio, então, nos incita a refletir sobre a concepção do Estado em Marx: uma concepção que precisa de desenvolvimentos, complementações e ─ também ─ correções, revisões.

Não temos o direito de nos esquivar ao exame das questões relativas a como o poder se exerce. Os riscos de uma omissão, nas condições atuais, seriam enormes. A humanidade está duplamente ameaçada de extinção, diz Bobbio: pela guerra atômica e pelo esgotamento dos recursos do planeta. Seríamos sumamente insensatos se não nos dispuséssemos a aprender um pouco sobre as condições ─ não necessariamente mais humanas, porém menos ferozes ─ que podemos criar para o exercício do poder.

A tarefa é grave e delicada. Cumpre enfrentá-la com prudência. Bobbio sabe disso e evita se4 apresentar como “dono da verdade”. Seu método lembra o do velho Sócrates: ele aparece diante de nós como um arguto perguntador. Não é casual que todos os ensaios deste volume tenham títulos interrogativos. Qual Socialismo? ─ como notou Celso Láfer ─ contém perguntas “incisivas e bem formuladas”, relativas a temas para os quais Bobbio não pretende ter “respostas definitivas”.

[Texto de orelha de Leandro Konder In BOBBIO, Noberto. Qual socialismo?: debate sobre uma alternativa. Tradução de Iza de Salles Freaza. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.]

Leandro Konder é filósofo marxista e escritor.

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