sábado, 7 de novembro de 2009

Abaixo o bolchevismo!!! Viva a luta pelo socialismo democrático!!!



A URSS e seus satélites eram Estados operários degenerados, onde a a burocracia, na condição de “camada social privilegiada e dominante”, conseguiu expropriar politicamente o proletariado. É errado afirmar que o chamado "socialismo real" se tratava de uma forma de capitalismo de Estado, pois não havia propriedade privada dos meios de produção, distribuição e troca, muito menos mercado. Como disse Trotsky, a burocracia, ao contrário da burguesia, não podia dispor dos meios de produção enquanto propriedade privada. Portanto é burrice falar em capitalismo de Estado em relação ao "socialismo real". O filósofo István Mészáros afirma que eram “sociedades pós-revolucionárias”, possuindo traços anticapitalistas, inicialmente voltadas ao socialismo, mas com regressões e acomodações ao sistema produtor de mercadorias em escala internacional.

Mészáros diferencia capital de capitalismo e defende que o sistema soviético não poderia ser caracterizado enquanto “capitalismo de Estado”, mas como uma sociedade dominada pelo capital: permanece intactas a divisão do trabalho e a estrutura de comando do capital.

Pois bem, como se deu a burocratização que degenerou o socialismo, possibilitando a essas sociedades superarem o capitalismo, mas não a lógica do capital? Em primeiro lugar, foi a ausência de democracia política, pois Lenin ao reinterpretar a ditadura do proletariado como ditadura do partido comunista, estabeleceu um regime onde os trabalhadores não possuiam direito algum, a não ser o de obedecer o partido como se fosse rebanho. Em "A Revolução Russa", a revolucionária marxista Rosa Luxemburgo constatou esse fato:

"A liberdade apenas para os partidários do governo, só para os membros de um partido - por numerosos que sejam - não é a liberdade. A liberdade é sempre, pelo menos, a liberdade do que pensa de outra forma (...). Sem eleições gerais, sem uma liberdade de imprensa e de reunião ilimitada, sem uma luta de opinião livre, a vida acaba em todas as instituições públicas, vegeta e a burocracia se torna o único elemento ativo. [...] Se estabelece assim uma ditadura, mas não a ditadura do proletariado: a ditadura de um punhado de chefes políticos, isto é uma ditadura no sentido burguês".

(Rosa Luxemburgo; em "A Revolução Russa")


Rosa Luxemburgo também deixou claro em "A Revolução Russa", que ditadura do proletariado não é a ausência de democracia, muito menos que seja obra de uma minoria agindo em nome da classe trabalhadora.

"A democracia socialista começa com a destruição da dominação de classe e a construção do socialismo. (...) Ela nada mais é que a ditadura do proletariado. Perfeitamente: ditadura! Mas esta ditadura consiste na maneira de aplicar a democracia, não na sua supressão. (...) esta ditadura precisa ser obra da classe e não de uma pequena minoria que dirige em nome da classe".

(Rosa Luxemburgo; em "A Revolução Russa")


Segundo o cientista social Michael Löwy, um dos mais importantes teóricos do marxismo na atualidade: "Constatando a impossibilidade, nas circunstâncias dramáticas da guerra civil e da intervenção estrangeira, de criar "como que por magia, a mais bela das democracias", Rosa não deixa de chamar a atenção para o perigo de um certo deslizamento autoritário e reafirma alguns princípios fundamentais da democracia revolucionária. É difícil não reconhecer o alcance profético desta advertência. Alguns anos mais tarde a burocracia apropriou-se da totalidade do poder, excluiu progressivamente os revolucionários de Outubro de 1917 - antes de, no correr dos anos 30, eliminá-los sem piedade." ( Michael Löwy; em "Rosa Luxemburgo: um comunismo para o século XXI")

Rosa deixa claro que o socialismo não pode ser estabelecido por decreto, não pode ser uma receita pronta que o partido comunista tira do bolso e a aplica com energia.

“A teoria da ditadura, segundo Lenin-Trotsky, admite tacitamente que a transformação socialista é uma coisa para o qual o partido da revolução tem no bolso uma receita inteiramente pronta e que se trata senão de aplicá-la com energia. Infelizmente – ou felizmente, se quiserem – não é assim. Bem longe de ser uma soma de prescrições feitas, que não teriam mais do que ser aplicadas, a realização prática do socialismo como sistema econômico, jurídico e social é algo que fica completamente envolvido nas brumas do futuro. O que temos agora em nosso programa não são mais do que alguns marcos orientadores que indicam a direção geral a seguir – indicações aliás, de um caráter sobretudo negativo. Sabemos mais ou menos o que preliminarmente devemos suprimir no sentido de deixar o caminho livre para a economia socialista. Ao contrário, nenhum programa de partido, nenhum manual de socialismo pode indicar de que espécie são as milhares de grandes e pequenas medidas concretas que têm em vista introduzir os princípios socialistas na economia, no direito, em todas as relações sociais.”

(Rosa Luxemburgo; em "A Revolução Russa")


Os bolcheviques formaram um governo exclusivo, onde havia apenas uma pequena parcela de socialistas revolucionários de esquerda, que mesmo assim romperam com o governo em virtude do Tratado de Brest-Litovsk, que tirou a Rússia da Primeira Guerra Mundial. E diga-se de passagem, Lenin e os bolcheviques haviam prometido uma paz sem anexações, mas não foi o que fizeram, portanto os socialistas revolucionários de esquerda não estavam tão errados ao critica-los. E mais, como excluir os mencheviques, em especial sua ala internacionalista?? Martov havia se oposto a Primeira Guerra Mundial, havia lutado para que os mencheviques rompessem com o governo provisório, conquistou a maioria durante a Revolução de Outubro, mas foi tratado como se fosse "lixo da história". É isso a ditadura do proletariado??? Os bolcheviques eram donos da verdade????

Em junho de 1918, os socialistas revolucionários de esquerda promoveram uma rebelião, que não era contra o poder soviético e sim contra a manutenção da paz em relação a Alemanha. Essa rebelião fracassou, felizmente, pois era loucura querer retomar a guerra contra os alemães, mas isso era motivo para os bolcheviques os perseguirem como se fossem contra-revolucionários? E pior, era motivo para proibir todos os partidos, com excessão do deles??? Os sovietes e os sindicatos já vinham se tornando correias de transmissão do Partido Bolchevique, isso consolidou esse processo. E mais, não vamos nos esquecer do golpe contra a Assembléia Constituinte, em janeiro de 1918, que havia sido eleita democraticamente e nada tinha de burguesa, até porque os socialistas revolucionários haviam conquistado 41% dos votos, e os bolcheviques conquistaram 25% dos votos. Somente nisso já era uma maioria de 66% para a esquerda socialista, se somar os votos de mencheviques, anarquistas e outros grupos de esquerda, se percebe que os liberais tiveram menos de 5% dos votos. Portanto essa assembléia, que não era burguesa, pois era fruto de uma reinvindição antiga dos trabalhadores russos(inclusive dos bolcheviques), ainda tinha a seu favor o fatop de ser majoritariamente dominada pelos socialistas. Entretanto, como os bolcheviques não tinham essa maioria, foi natural que Lenin e os bolcheviques a dissolvessem. Eles não estabeleceram a ditadura do proletariado, até porque Lenin não acreditava na capacidade do proletariado exercer o poder após a revolução. Eles estabeleceram a ditadura do partido comunista, o partido é que devia possuir o poder. Por isso após dissolver a Assembléia Constituinte, não propuseram nenhuma alternativa democrática a ela, mas apenas os sovietes, que estavam sendo transformados em correias de transmissão do Partido Bolchevique, processo que se consolidou com a proibição dos outros partidos, incluindo aqueles que eram socialistas.

"Os sovietes funcionaram com alguma liberdade só até junho de 1918. Os jornais socialistas de oposição não duram muito mais do que isso. Os campos de trabalho forçado existem desde 1918-1919. Em 1918, e depois em 1920-1921, há greves importantes, reprimidas violentamente pelo regime."

(Ruy Fausto; "Em Torno da Pré-História Intelectual do Totalitarismo Igualitarista)


O historiador marxista Jacob Gorender, fundador do PCBR - Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, preso e torturado durante a ditadura militar, figura destacada da esquerda petista, autor de "O Escravismo Colonial", não pode em hipótese alguma ser considerado um reformista, revisionista, centrista pequeno-burguês ou idiotices afins que os adeptos do bolchevismo usam para desqualificar quem não segue a cartilha dogmatica deles. Em "Marxismo Sem Utopia", Jacob Gorender afirma tudo o que escrevi:

"O que deixei claro é que não se deve ter um modelo como o do Partido Bolchevique: uma direção de revolucionários profissionais apoiada numa rede de células, organizações e pessoas que não são profissionais, que estão na vida comum, e que se tornam militantes do partido. Esta concepção altamente centralizadora é indissociável do partido único, do autoritarismo e do arbítrio, como ocorreu na União Soviética. O partido único ditatorial já estava implícito na lógica do Partido Bolchevique desde o momento em que ele se propôs a tomada do poder. Rosa Luxemburgo percebeu isso, embora o dissesse de maneira muito simplificada. Da minha parte, militei em partidos inspirados por este modelo e vivi suas contradições.

O modelo bolchevique incorporou, em sua visão da ação política, um centralismo enorme, bem como a idéia de que poderia dirigir sozinho a sociedade. Tomemos, por exemplo, a questão da dissolução da assembléia constituinte na Revolução Russa: o problema não foi tê-la dissolvido, mas não se ter nenhuma proposta democrática alternativa. Os sovietes, desde a tomada do poder, passaram a ser uma correia de transmissão do partido e terminaram esvaziados. Em seguida, os sindicatos e as outras organizações de massa foram se tornando o que Lenin tinha em vista: correias de transmissão do partido único. Quando, em 1921, as tendências foram proibidas dentro do partido bolchevique, a idéia era de que isto seria temporário; mas o temporário se tornou permanente. Essas coisas práticas, mais do que as declarações, formam aquilo que chamo de modelo bolchevique. É isto que deve ser evitado." (Jacob Gorender, em Teoria e Debate nº 43)


A burocracia nasceu com a própria Revolução de Outubro, com o próprio modelo de socialismo estabelecido por Lenin e seus "camaradas" bolcheviques. Era já nasceu condenada a se degenerar, pois deturpando o marxismo, fizeram tudo aquilo que uma ditadura burguesa também iria fazer. Os bolcheviques chegaram ao extremo do absurdo ao promover o "terror vermelho", e não adianta vir com a babaquice que se tratava da violência revolucionária contra o opressor capitalista, pois é mentira. Era terrorismo puro e simples, como alias nos diz o filósofo marxista Pietro Ingrao, figura histórica do comunismo italiano e hoje filiado a Refundação Comunista.

"Já Lenin afirmava a construção violenta do Estado e do poder político, e não se tratava só de uma resposta revolucionária ao sangue do capitalismo. Era uma idéia errada, erradíssima, de abuso e de esmagamento, que também atingiria, cedo ou tarde, uma parte do movimento operário. Tal como ocorreu, precisamente, em Budapeste, em 1956. E não só. Os massacres estavam fadados a se voltarem contra os próprios militantes, os próprios filhos. Os tanques na Hungria nos abriam os olhos para uma violência que devíamos recusar, e no entanto foi apregoada e inscrita nas nossas bandeiras. (...)

Antes nos iludíamos dizendo que havia uma diferença substancial entre os dois personagens centrais da história do comunismo e considerávamos Stalin o traidor dos ideais de Lenin. Não era verdade. Hoje, por sabermos a verdade, podemos captar melhor as diferenças entre Lenin e Stalin, a partir daquela que considero a mais significativa. Lenin, com sua revolução, teve em mente o poder dos sovietes e do partido, conquistado e defendido com a violência. Em vez disso, Stalin, com métodos ainda mais ferozes em relação a Lenin, tem em mente só o poder pessoal e do seu clã."

(Pietro Ingrao; Em depoimento dado a Antonio Galdo, intitulado "Il compagno disarmato" [Milão, 2004])


O caráter anti-democrático do bolchevismo pode ser constatado nas palavras de Leon Trotsky, um dos principais revolucionários bolcheviques.

“A verdade é que, em regime socialista, não haverá aparelho de coerção, não haverá Estado. O Estado se dissolverá na comuna de produção e de consumo. Entretanto, o caminho do socialismo passa pela tensão mais alta da estatização. E é exatamente este período que atravessamos. Assim como um lampião, antes de se apagar, brilha com uma flama mais viva, o Estado, antes de desaparecer, reveste a forma da ditadura do proletariado, a forma mais impiedosa de governo que existe, um governo que envolve, de maneira autoritária, a vida de todos os cidadãos. É essa bagatela, esse pequeno grau na história que [...] o menchevismo não viu, e foi isto o que lhe fez tropeçar”

(Leon Trotsky; "Terrorismo e Comunismo")


Ao afirmar que a ditadura do proletariado é a forma mais impiedosa de governo que existe, Trotsky está legitimando os crimes hediondos do "terror vermelho" e pior, dando sinal verde para o terror ainda mais criminoso, hediondo e desumano da era stalinista, até porque para voltar à imagem, e se o lampião em vez de se apagar não só continuasse aceso mas pusesse fogo no mundo? Foi o que aconteceu com o stalinismo.

Os anarquistas não eram contra-revolucionários, muito pelo contrário, os guerrilheiros anarquistas do Exército Negro, liderado por Nestor Makhno, foram fundamentais para a derrota dos contra-revolucionários brancos comandados pelo general Denikin e pelo Barão Wangrel, no sul da Ucrânia. E mesmo assim foram massacrados pelo Exército Vermelho. Em março de 1921, os marinheiros do soviete de Kronstadt(revolucionários de primeira hora, que lutaram como vermelhos durante a guerra civil), se rebelaram contra a ditadura bolchevique. Mas ao contrário do que a propaganda comunista afirma, os revoltosos eram revolucionários que exigiam o estabelecimento de uma democracia socialista, com a legalização de todos os partidos socialistas, eleições livres, liberdade de imprensa, sindicatos independentes e com o poder sendo exercido pelos sovietes e não por nenhum partido. O Exército Vermelho reprimiu brutalmente essa rebelião.

"Muitos dizem que o episódio de Kronstadt tinha de ser reprimido, visto que a Rússia estava cercada. Mas o fato é que Kronstadt era a vanguarda da revolução e fornecia a guarda pessoal para o palácio de Lênin, depois de 1917. Kronstadt desejava o quê? Desejava sovietes independentes do partido e do Estado, no sentido original da idéia de soviet: uma autoridade suprema que não se subordina a ninguém. A repressão aos radicais de esquerda na Revolução Russa está ligada a outro processo, que é o surgimento de uma política sem ética, a institucionalização da calúnia como arma política. Na época, Makhno fora acusado de anti-semita, perseguidor de judeus; os marinheiros de Kronstadt, de agentes do capitalismo ocidental. Mentira. Basta conhecer os Izvestia de Kronstadt, jornais publicados no Ocidente, para constatar que as reivindicações eram pró-socialismo – com liberdade política – e contra a ditadura do partido único e seu fetichismo."

(MAURÍCIO TRAGTENBERG; em "Rosa Luxemburgo e a Crítica aos Fenomênos Burocráticos")


Em 1920-21, a "Oposição Operária" denunciou a burocratização no partido e no Estado soviético, mas foram calados por Lenin, Trotsky e cia, quando no X Congresso do partido, foram proibidas as frações sobre o risco de expulsão. A proibição de frações e a repressão à rebelião de Kronstadt são exemplos de opções políticas que fortaleceram a centralização e a burocracia.

Portanto é hipocrisia os trotskistas ficarem afirmando que a URSS e demais Estados socialistas eram Estados operários degenerados, como se não defendessem justamente aquilo que promoveu essa degeneração. E pior, Trotsky não somente defendeu as deturpações que Lenin promoveu, mas defendeu muitas das políticas degeneradas que Stalin realizou, como a militarização do trabalho e a estatização dos sindicatos.

"A discussão em torno do papel do Estado, sua relação com os sindicatos, a autonomia da classe operária nada disso fora palavrório oco. Lênin, com a NEP, propunha agora um outro caminho, com maior liberdade para a cidade e o campo, recuperando o papel do mercado, compreendendo que o capitalismo ainda tinha fôlego para se desenvolver numa sociedade que ele acreditava estar caminhando para o socialismo. Trotsky tinha outra visão, que mais tarde, ironicamente, será integralmente adotada por seu mais visceral inimigo, Stalin. Está certo Deutscher quando afirma não haver praticamente nenhum aspecto do programa sugerido por Trotsky em 1920-21 que Stalin não tenha usado durante a industrialização acelerada da década de 1930. Adotou o recrutamento forçado, subordinou os sindicatos, estimulou a disputa de produção entre os trabalhadores, na linha do taylorismo soviético defendido por Trotsky."

(Emiliano José; em "Trotsky: do pomar para a Revolução")


Entre 1920 e 1921, Trotsky assume uma posição "ultra-bolchevique", defendendo a militarização do trabalho e a estatização dos sindicatos. O projeto de militarização do trabalho, Trotsky começou a pôr em prática no setor dos transportes, de que se tornara o responsável. Quanto a discussão sobre os sindicatos. Trotsky queria integrar os sindicatos ao Estado e fazer com que eles realizem aquilo que era a "sua verdadeira vocação" no interior do "Estado operário", isto é, pôr-se a serviço da produção. Por isso mesmo, ele é favorável às nomeações, em lugar de eleições, para o postos sindicais. "No Estado operário – afirma Trotsky – (...) a existência paralela de organismos econômicos e de grupos sindicais não pode ser tolerada senão a título transitório (...) É preciso que os pensamentos e as energias do partido communista, dos sindicatos e dos organismos governamentais tendam a amalgamar os organismos econômicos e os sindicatos num futuro mais ou menos imediato" (Leonard Shapiro; in "Les Origines de l'Absolutisme Communiste, les bolcheviks et l'opposition, 1917-1922", p. 231).

Lenin se opõe a Trotsky tanto a propósito de um ponto como do outro, embora, no primeiro caso, não imediatamente. A propósito da pretensa função essencialmente "produtiva" dos sindicatos no interior do "Estado operário", Lenin objeta com bastante lucidez : "(...) Um Estado operário é uma abstração. Na realidade, temos um Estado operário, primeiro com a particularidade de que é a população camponesa e não operária que predomina no país e, segundo, que é um Estado operário com uma deformação burocrática" (Pierre Broué; in "Trotsky, democracy and totalitarianism", p. 286). Mas não nos iludamos com o democratismo de Lenin. Se ele se opôs ao "ultra-bolchevismo" de Trotsky, a diferença entre os dois não era tão grande. Se o que afirma Leonard Shapiro é verdade (e não há razão para duvidar disso) nem Lenin e nem mesmo a chamada "Oposição Operária" propunham "dar aos operários o direito de eleger livremente os seus representantes e, em consequência, escolhê-los entre os partidos que desejassem" ( Leonard Shapiro; in "Les Origines de l'Absolutisme Communiste, les bolcheviks et l'opposition, 1917-1922", p. 237 - 238). A disputa não era entre sindicatos livremente eleitos e o Partido, mas entre a direção do partido e a sua fração sindical. Por isso, a vitória da posição de Lenin não significou muito. De resto, como já afirmei, no final do X congresso do Partido, que se reune no momento da revolta de Kronstadt, Lenin apresenta duas moções, que foram aprovadas, uma condenando um "desvio sindicalista e anarquista" (referência à "Oposição Operária") e outra proibindo as frações e plataformas particulares no interior do partido, sob pena de exclusão.

O regime bolchevique já era burocratico, e com essa cultura autoritária e estatista, era natural que essa burocratização assumisse as proporções que assumiu com o stalinismo. Superaram o capitalismo, mas não a lógica do capital, e nem poderiam faze-lo diante de todos esses fatos. O regime bolchevique foi pré-totalitario, pois preparou o terreno para o verdadeiro totalitarismo dos grandes campos de trabalho forçado e do genocidio da era stalinista. Citando o filósofo marxista Ruy Fausto: "Não que eu suponha uma simples continuidade entre bolchevismo e stalinismo. Mas afirmo sim que o totalitarismo stalinista é impensável sem o bolchevismo, e que há linhas reais de continuidade entre os dois". (Ruy Fausto; "Em Torno da Pré-História Intelectual do Totalitarismo Igualitarista)

Portanto não basta ser anti-stalinista, é preciso ser anti-bolchevique. A esquerda precisa reconhecer os seus erros, condenar os seus crimes, é rompendo com o dogmatismo, refundar o socialismo, resgatando o melhor do pensamento marxista e da tradição do movimento operário. Fazer autocritica, corrigir os erros, romper com o dogmatismo, refundando o socialismo segundo a realidade do século XXI, é um dever de todo marxista.

"Os gulags não foram uma fábula, mas não vejo por que hoje deveria assumi-los no meu patrimônio, no meu sentimento de comunista, agora que não tenho nem mesmo o álibi de ‘não saber’. Ao lado desta derivação, o movimento comunista no século XX arrastou classes sociais inteiras para a luta política e social, e grande parte do crescimento da democracia, pelo menos na Europa, está ligada a esta participação, a esta batalha. Por que não deveria revisitar e reexaminar nossa história, ver as luzes e as sombras? Enfraqueço-me? Penso exatamente o contrário: a autocrítica me reforça. O arrependimento é uma palavra que não pertence à minha linguagem, tem um sabor de sacristia. Mas, se arrepender-se significa reconhecer os erros, então não tenho medo desta palavra. Tentar compreender onde erramos me ajuda a viver, a me sentir mais forte, a olhar para a frente. A reconstruir o passado para dar uma indicação sobre o futuro: pode-se aprender com os erros. E no horizonte futuro resta a necessidade de uma resposta às exigências, decisivas, de sentido da vida, de horizonte, num mundo vergado como então, como em todo o século XX, pela maldição de uma guerra. Passei uma vida batendo-me por coisas essenciais: o direito de se alimentar, crescer, se instruir, se cuidar, ser criativo no próprio trabalho. O movimento operário, no curso de um século, cresceu no contexto da reivindicação de necessidades fundamentais, a começar pelo grande tema do resgate do trabalho, e da exigência destas coisas nasceu a ideologia comunista, com seus erros, suas culpas, seus delitos. A violência armada, infelizmente, teve um lugar na história e na ideologia do movimento comunista. Em nome desta violência, o homem foi posto sob cadeias, quando nós o queríamos livre. Nossa derrota nasceu também daqui. Mas aquelas exigências permanecem presentes, continuam a ser atuais, e alguém terá de responder a elas..."

(Pietro Ingrao; Em depoimento dado a Antonio Galdo, intitulado "Il compagno disarmato" [Milão, 2004])

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